De acordo com o relatório “As crises de deslocamento mais negligenciadas do mundo em 2024”, do Conselho Norueguês para Refugiados (NRC, na sigla em inglês), Camarões tem a crise de deslocamento mais negligenciada do mundo. O documento foi publicado no dia 3 de junho e traz as dez crises de deslocamento mais negligenciadas do mundo.
A lista traz a Etiópia em 2º lugar e Moçambique em 3º lugar, seguidos por Burkina Faso, Mali, Uganda, Irã, República Democrática do Congo (RDC), Honduras e Somália. De acordo com o NRC o objetivo da lista é focar em situações que raramente chegam às manchetes internacionais, que recebem pouca ou nenhuma assistência e crises que nunca se tornam o centro das atenções dos esforços da diplomacia internacional.
Segundo o relatório, “para refletir a negligência enfrentada pelas pessoas deslocadas e seus países anfitriões, o NRC revisou a metodologia do relatório este ano para incluir as nações que acolhem refugiados que enfrentam graves crises próprias”. Como resultado dessa mudança, o Irã, que acolhe mais de 6 milhões de refugiados, e Uganda, que abriga cerca de 1,75 milhão, apareceram no documento pela primeira vez.
1º lugar: Camarões
O relatório destaca que três crises prolongadas afetam Camarões há mais de uma década, sendo elas o conflito de longa duração com grupos armados na Bacia do Lago Chade, a violência nas regiões noroeste e sudoeste e a instabilidade que se espalha da República Centro-Africana. O documento ressalta que, em 2024, cerca de 3,4 milhões de pessoas precisavam de assistência e proteção.
Além disso, as crises deslocaram mais de 1,1 milhão de pessoas internamente, enquanto cerca de 480 mil refugiados e requerentes de asilo em busca de segurança no país “permaneceram presos no limbo”, segundo o relatório, que aponta que cerca de 70% das pessoas deslocadas estavam fora de campos formais.
“Tensões sobre recursos limitados, falta de documentação civil essencial e acesso limitado a serviços empurraram as pessoas ainda mais para dificuldades”, afirma o documento, que ressalta que muitas pessoas não tinham como mandar seus filhos para a escola, o que deixou 1,4 milhão de crianças precisando de assistência educacional.
Segundo o relatório, cerca de 2,8 milhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar aguda em Camarões, impulsionada por conflitos contínuos e desastres climáticos, entre eles a pior estação chuvosa na região do Extremo Norte desde 1990, que destruiu casas, plantações e infraestrutura. O documento aponta que apenas 32% do financiamento necessário para assistência de proteção foi atendido em 2024, “deixando mulheres e comunidades deslocadas especialmente vulneráveis a violações de direitos humanos”. O relatório destaca que, sem sinais de atenção renovada para a crise em Camarões, “as perspectivas para 2025 são ainda mais sombrias.”
2º lugar: Etiópia
De acordo com o relatório, em 2024 a Etiópia contabilizava cerca de 2,3 milhões de deslocados internos, além de cerca de 1 milhão de refugiados e solicitantes de asilo. Entre as crises destacadas, estão a violência nas regiões de Amhara e Oromia e as consequências da guerra no Tigré. “Uma mistura mortal de confrontos intercomunitários e disputas sobre fronteiras administrativas significou várias crises se desenrolando ao mesmo tempo e reforçando umas às outras em um ciclo perigoso”, afirma o texto.
O relatório aponta que a Etiópia tinha cerca de 21,4 milhões de pessoas em necessidade de assistência humanitária, mas alcançar os necessitados se tornou um desafio crescente, pois muitos estão presos em áreas remotas e inseguras, onde o acesso humanitário é limitado.
Além disso, o documento recorda a grave seca que atingiu a Etiópia, destruindo meios de subsistência e exacerbou a escassez de alimentos. No sul do país, fortes chuvas e inundações em julho de 2024 provocaram sucessivos deslizamentos de terra em regiões remotas e montanhosas, causando perdas significativas de vidas e devastação.
“Apesar da escala e gravidade das necessidades, as operações humanitárias permaneceram criticamente subfinanciadas, deixando milhões sem comida, assistência médica ou um lugar seguro para dormir”, afirma o relatório, que ressalta que os terremotos no início de 2025 deslocaram milhares de pessoas, agravando a situação.
3º lugar: Moçambique
O relatório do NRC ressalta que, em 2024, Moçambique enfrentou um misto de conflitos armados, turbulência política e desastres climáticos, que criaram uma emergência humanitária volátil e complexa, trazendo o país para a lista de crises de deslocamentos mais negligenciadas pela primeira vez.
O documento aponta que a violência armada na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, continuou a desalojar comunidades, enquanto as disputadas eleições presidenciais em outubro aumentaram as tensões em todo o país. Além disso, poucas semanas depois, o país foi atingido pelo ciclone tropical Chido, que causou estragos na infraestrutura já frágil. Segundo o texto, até o final de 2024, cerca de 600 mil pessoas foram deslocadas internamente pela combinação de eventos no país, com 2,8 milhões enfrentando insegurança alimentar aguda entre abril e setembro.
“Apesar dessas necessidades crescentes, a resposta humanitária lutou para ganhar força”, afirma o relatório, que destaca que o Plano de Resposta Humanitária de 2024 foi financiado apenas 41%, em seu nível mais baixo de todos os tempos, atingindo principalmente a assistência alimentar.
“Os primeiros números para 2025 indicam mais um ano de necessidades não atendidas”, destaca o documento, que ressaltou que a cobertura limitada da mídia desviou atenção e recursos da crise de Moçambique, que se torna “cada vez mais invisível e cada vez mais perigosa.”
O relatório completo pode ser conferido em: https://www.nrc.no/resources/reports/the-worlds-most-neglected-displacement-crises-in-2024
Por Amanda Almeida, do Serviço de Comunicação