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Vida e missão da Congregação das irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas

Por Ir. Analita Candaten, mscs

“Migram as sementes nas asas do vento, migram as plantas de continente a continente, levadas pelas correntes das águas, migram os pássaros e os animais e, mais do que todos, migra o homem” (S. João Batista Scalabrini).

1. Síntese histórica da Congregação das irmãs Missionárias de S. Carlos Borromeo, Scalabrinianas (mscs)
A Congregação das irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas, foi fundada por São João Batista Scalabrini, em Piacenza – Itália, aos 25 de outubro de 1895 e tem como cofundadores, a bem-aventurada Assunta Marchetti e o venerável padre José Marchetti.

1.1 A ação pastoral de São João Batista Scalabrini
A origem da Congregação emerge da ação pastoral específica que São João Batista Scalabrini (1839-2005), bispo de Piacenza, empreendeu em favor dos migrantes, comprometendo-se pessoalmente e reunindo colaboradores e continuadores de sua obra.

Scalabrini, no dia de sua consagração episcopal, 30 de Janeiro de 1876, escreveu a primeira carta pastoral onde apresentava as suas prioridades pastorais: atenção privilegiada pelos mais pobres, com uma preocupação particular para com a educação religiosa das crianças, dos surdos-mudos, dos cegos e das pessoas mais miseráveis.

As suas visitas pastorais serviram, também, para constatar que cerca de 11% da população tinha abandonado a diocese, emigraram, dado que teria inspirado um aspecto original de sua ação apostólica, uma ação pastoral em favor dos migrantes.

As migrações em massa na Europa, iniciadas depois dos meados do século XIX, encontraram a sociedade civil e eclesial despreparadas para acompanhar o êxodo das populações católicas para as Américas. Entre 1815 e 1914, estima-se que 65 milhões de europeus atravessaram o oceano Atlântico e um número mais reduzido o oceano Pacífico. Na América Latina, a partir de 1880, dois países se tornaram o pólo de atração para os imigrantes do Velho Mundo: Brasil e Argentina. A Itália contribuiu notavelmente nesse fluxo migratório e tornou-se nesses anos a maior fonte de emigrantes internacionais do mundo. Calcula-se que em 100 anos 24 milhões de italianos emigraram¹.

No início Scalabrini era contra a emigração. Mais tarde, reconheceu que a emigração era uma necessidade causada pela pobreza e pela esperança de melhorar as próprias condições de vida, uma lei da natureza que não era possível parar. Contou ter ouvido muitas vezes o dilema dos emigrantes: “ou roubar ou emigrar”.

Pela sua sensibilidade humana e missionária, diante da forte e dolorosa emigração, da visão de centenas de pessoas na estação de Milão, que deviam abandonar a pátria para buscar melhores condições de vida, Scalabrini comove-se, sente-se impulsionado a buscar respostas para aliviar este sofrimento. Ele mesmo conta a cena que o comoveu e que, certamente, seria decisiva para desencadear sua ação missionária em favor dos migrantes: “Ha vários anos, em Milão, fui expectador de uma cena que deixou em meu espírito, uma impressão de profunda tristeza. Passando pela estação, vi a vasta sala, os pórticos laterais e a praça adjacente invadidos por trezentos ou quatrocentos indivíduos, vestidos pobremente, divididos em diversos grupos. Em suas faces bronzeadas pelo sol, sulcadas por rugas precoces que a privação costuma imprimir, transparecia o tumulto dos afetos que agitavam seus corações, naquele momento […]. Eram migrantes. Pertenciam às províncias da Alta Itália e esperavam, com ansiedade que o trem os levasse às margens do Mediterrâneo e de lá para as longínquas Américas […]. Parti comovido. Uma onda de pensamentos tristes me amarguravam o coração”².

Scalabrini assume a causa do migrante e empenha-se no âmbito do estudo, da análise da realidade, da sensibilização das autoridades eclesiásticas e civis, da opinião pública e outras iniciativas. Esta sua capacidade de ver, de sentir, de partilhar o sofrimento com o irmão migrante, abriu-o à ação do Espírito do Senhor, que o preparava para assumir uma missão especial na Igreja: a missão de ir ao encontro de uma necessidade sócio-pastoral, sobretudo, o empenho em manter viva a fé dos migrantes.

Pensou em agir em primeira pessoa, assumindo a responsabilidade completa da iniciativa, com todas as dificuldades e compromissos que tal decisão poderia comportar. Então, pede a Propaganda Fide que lhe seja permitido abrir um Instituto, em Piacenza, para acolher os padres que desejassem dedicar-se à pastoral e ao cuidado dos imigrantes na América. Ele mesmo avaliaria a aptidão à missão dos mesmos, dando-lhes a oportunidade de adequada educação e formação. Disse, também, estar disposto a acolher, no Instituto, os filhos dos imigrantes na América que mostrassem interesse pelo ministério eclesiástico.

Impulsionado pelo seu carisma pessoal, em 28 de novembro de 1887, funda a congregação dos Missionários de São Carlos. Os missionários tinham a missão de serem homens-pontes de comunhão para facilitar a inserção dos migrantes na nova sociedade civil e religiosa. Ele escreveu aos missionários em 1892: “continuai empregando talento e forças para o conforto religioso, moral e civil de nossos compatriotas”.

No dia 12 de abril de 1889 funda a Associação de Patronato São Rafael, na Itália, para incluir esta nação na rede internacional de assistência social e legal de proteção dos direitos humanos dos migrantes, já atuante em outras nações européias, sobretudo nos portos de partida e chegada do grande êxodo de migrantes, êxodo que o continente europeu assistiu na segunda metade do séc. XIX.

1.2 A fundação da Congregação das irmãs mscs
Na ação sócio-pastoral realizada em favor dos migrantes, Scalabrini constatou que a missão por ele iniciada devia ser complementada com a participação pastoral de uma congregação feminina. A presença feminina era necessária para que o serviço pastoral entre os imigrantes fosse mais eficaz³. Os próprios missionários pediam a Scalabrini, insistentemente, irmãs para as diferentes atividades apostólicas: educação, saúde, catequese e outras atividades em favor dos imigrantes. Em S. Paulo, Pe. José Marchetti, missionário scalabriniano, já havia fundado um orfanato para as crianças filhas dos imigrantes.

Após várias tentativas para sanar esta exigência pastoral, buscando a ajuda de algumas congregações religiosas femininas existentes⁴, Scalabrini funda a Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas, em 25 de outubro de 1895, com a admissão aos votos religiosos, entrega do crucifixo e envio das primeiras quatro missionárias: Carolina Marchetti, Assunta Marchetti, Angela Larini e Maria Franceschini, apresentadas a ele através do Venerável padre José Marchetti, cofundador da Congregação, o qual muito contribuiu para sustentar o espírito de generosidade missionária scalabriniana dos primeiros membros do novo instituto feminino. Naquele mesmo dia, 25 de outubro de 1895, as quatro missionárias e padre Marchetti, de Piacenza partiram para Gênova e em seguida partem para o Brasil junto aos emigrantes, iniciando uma trajetória que mudaria radicalmente suas vidas. Dão início à nova família religiosa como companheiras dos emigrantes e “servas dos órfãos e abandonados no exterior”⁵.

O orfanato Cristóvão Colombo – Ipiranga, São Paulo, foi o local onde as primeiras irmãs iniciaram a sua atividade apostólica junto aos órfãos. O dom de participação ao carisma scalabriniano possibilitou a estas irmãs a capacidade de ver na migração não apenas um fenômeno humano e social, mas um acontecimento lido e interpretado à luz da fé e com o qual deveriam se comprometer e dar uma resposta. É esta capacidade de leitura que faz transcender os limites geográficos de nação, raça, cultura e abrir-se à universalidade.

O início da Congregação foi acompanhado de sucessivas dificuldades, mas foi um período rico de frutos de santidade e de afirmação da identidade congregacional. Graças à fidelidade carismática da cofundadora, a bem-aventurada Assunta Marchetti, a identidade da Congregação afirmou-se na Igreja. O decreto do papa Pio XI, de 13 de janeiro de 1934, legitimou a Congregação como Instituto Religioso de Direito Pontifício.

Seguiu-se uma época de florescimento de vocações e expansão da Congregação. Em 1936 as irmãs voltaram para o local de partida das quatro pioneiras, estabelecendo-se em Piacenza, Itália. Em 1941, outras quatro missionárias iniciaram a missão nos Estados Unidos. A sede geral esteve no Brasil até 1960, ano em que foi transferida do Brasil para a Itália – Roma.

A reinterpretação do carisma feita por ocasião do capítulo especial (1969-1971), sobretudo, a opção pelo serviço pastoral junto aos migrantes de todas as nacionalidades, favoreceu uma maior internacionalização da Congregação mscs.

1.3 Por que o nome de irmãs missionárias de S. Carlos Borromeo?
S. Carlos Borromeo (1538-1584), canonizado em 1610.

Scalabrini quis colocar a Congregação sob a proteção de um santo, cujo nome servisse para distingui-la e fosse como que o estandarte, o seu emblema. Ele mesmo afirma que depois de ter rezado e invocado as luzes do Espírito Santo, mais radiosa e mais suave do que nunca apareceu a figura de São Carlos. E desde aquele dia decidiu colocar todos os missionários, o futuro e todas as coisas em suas mãos.

Em 1892 assim escreve aos missionários: De hoje em diante, honrar-vos-eis com o nome de missionários de São Carlos. Ele era um daqueles homens de ação que não hesitam, não se dividem, não recuam jamais; que, em tudo o que fazem, colocam toda a força da própria convicção, toda a energia da própria vontade, toda a integridade de seu caráter, tudo o que são; e vencem!

S. Carlos! Exemplo maravilhoso de impávida constância, de generosa paciência, de ardente caridade, de zelo iluminado, incansável, um verdadeiro apóstolo de Jesus Cristo.

S. Carlos! este é um nome que o missionário não deveria escutar, sem se sentir inflamado, pelo mais nobre, pelo mais vivo entusiasmo, sem se sentir, profundamente comovido. Espelhai-nos nele, recomendai-vos a ele, colocai nele toda a vossa confiança e tereis a certeza de sua proteção⁶.

2.Irmãs mscs – herdeiras do carisma scalabriniano
2.1 Carisma, o que significa?
“Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos” (1Cor 12,4-6).

Na sua raiz a palavra carisma deriva da palavra grega (charis), que significa dom, graça divina, com a qual o Espírito torna uma pessoa apta a um determinado ministério. Porém, gradualmente, dado que o carisma só se conhece através da atividade, ele tende a identificar-se com as atividades/serviços realizados⁷.

O carisma é um dom do Espírito, para a edificação do bem comum. “Doando um carisma, o Espírito faz ver ao fundador/a as urgências da Igreja e da sociedade, leva-o a perceber em profundidade as concretas necessidades, as aspirações, os desejos, os gemidos mais profundos e os move a dar respostas concretas, marcando o caminho da Igreja e da sociedade”⁸.

Em primeiro lugar, o carisma é um dom pessoal, transforma a pessoa do fundador, prepara-o para uma vocação e missão especial na Igreja, mostrando na história uma experiência particular do mistério de Cristo. Em segundo lugar, é coletivo-comunitário, porque implica outras pessoas na realização do mesmo projeto divino. Em terceiro lugar, é eclesial, porque o fundador e seus discípulos oferecem a toda a Igreja este carisma original para a edificação da mesma. Toda a Igreja é chamada a acolher os frutos desse carisma particular e por isso, sustenta e defende a índole própria dos diversos institutos religiosos⁹.

O papa Francisco afirma que os carismas na Igreja não são algo estático, rígido, não são “peças de museu”. Ao contrário, são rios de água viva (cf. Jo 7,37-39) que correm no solo da história para irrigá-la e fazer germinar sementes de Bem¹⁰.

Portanto, o carisma representa uma realidade dinâmica e histórica, um evento que é transmitido no tempo, enquanto continua a realizar-se em modos diferentes e novos. É o núcleo imutável que atravessa os tempos e lugares e vai sendo traduzido em cada nova realidade. Por isso ele é vivo, flexível e adaptável.

2.2 Os carismas na história
A história é também resultado dos carismas que tiveram e ainda possuem efeitos importantes no âmbito civil, religioso e também econômico. Quando os carismas entram nos âmbitos civis, com estes entra em cena uma dimensão do amor, uma força extraordinária e rara, aquela que a teologia e o pensamento cristão deram o nome de ágape, selando esta experiência com uma nova palavra grega, porque nova era a experiência que os cristãos faziam e fazem graças à vida e à mensagem de Jesus.

Portanto, com os carismas irrompe na história o ágape, que faz o seu ingresso dentro e fora dos confins institucionais da Igreja, dada a natureza e vocação universal do cristianismo, cujo sopro toca e move pessoas de todos os tempos e lugares, que, enquanto portadores de um carisma, são portadores de ágape, mesmo que inconscientemente.

O episodio bíblico das bodas de Caná (Jo 2,1-12) é a imagem mais eloquente de Maria, como ícone da ação dos carismas na história. Maria, durante a festa de bodas é a primeira a perceber que os convidados não tem mais vinho. Este texto nos diz alguns elementos fundamentais da lógica dos carismas na história, dos quais destacamos: carisma quer dizer gratuidade, ágape, mas ao mesmo tempo é dom, graça, plenitude; os carismas enxergam mais longe, enxergam coisas diferentes que outros não enxergam. Os carismas foram e ainda são os lugares das grandes inovações humanas.

Ao longo dos séculos, podemos citar exemplos de pessoas, que com seus carismas empurraram para frente as balizas do humano. Na sociedade antiga, S. Bento, colocou o trabalho e a oração no centro da nova vida, ora et labora; no início do século XIII, São Francisco de Assis, escolheu a pobreza como ideal de vida; S. Inácio de Loyola, seu carisma consentiu realizar junto às populações indígenas, experiências proféticas de civilização e de inculturação (as reduções); S. João Bosco, no final do séc. XIX, viu na juventude analfabeta e pobre, um recurso e não um problema e nascem os laboratórios, que depois se tornarão os cursos profissionalizantes.

O carisma de S. João Batista Scalabrini, o Pai dos migrantes, fez compreender o fenômeno da migração em todas as suas dimensões: humana, social, econômica e, principalmente, na dimensão da fé. Este carisma não foi apenas um dom para Scalabrini, mas foi comunicado pelo mesmo Espírito a outras pessoas que a ele se associaram, sacerdotes, religiosos/as, leigos, levando-os a assumir na Igreja uma missão específica junto aos migrantes. E reconhecemos a incansável doação dos cofundadores, madre Assunta Marchetti e Pe. José Marchetti, que encarnaram este carisma desde a ‘primeira hora’ e doaram suas vidas por amor ao mesmo.

A partir deste carisma original de Scalabrini, a Igreja despertou diante das urgências pastorais e sociais causadas pelo fenômeno migratório, empenhou-se na reflexão e nas orientações para uma prática pastoral, sobretudo, para manter viva a fé de milhões de migrantes, de todas as nacionalidades, espalhados nos vários continentes.

E assim poderíamos citar outras pessoas: S. Francisca Cabrini, (a Mãe dos migrantes), S. Francisco de Sales, S. João Calabria, receberam olhos para ver nos pobres, nos exilados, nos menores de rua, nos imigrantes, nos doentes, algo de grande e de belo, pelos quais valeria a pena gastar a própria vida. Atraíram milhares de pessoas que os seguiram, inspirados por aqueles carismas. Os carismas podem, portanto, serem considerados ao longo da história, como experiências de elevação da temperatura espiritual, civil e econômica da humanidade.

2.3 O rosto feminino do carisma scalabriniano
Em uma família religiosa o carisma traça as linhas essenciais que caracterizam a própria identidade do Instituto, sua missão na Igreja e sua espiritualidade. Conforme nossas Constituições, o dom carismático doado ao Fundador e transmitido a cada uma de nós, imprime um estilo peculiar de santificação e de apostolado, torna-nos capazes de contemplar as migrações na ótica da fé e de ver nos migrantes a imagem de Cristo peregrino: “Era estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25,35). Este carisma nos interpela a viver a acolhida e a solidariedade, a assumir a itinerância apostólica sendo “migrante com os migrantes” e a testemunhar a comunhão na diversidade¹¹.

O carisma nos confere uma mística no ser e no fazer. Assumimos na Igreja a Pastoral dos Migrantes e nesta ação missionária, somos força feminina e sinal de esperança no mundo das migrações, interpeladas a transformar nossa vida em “serviço evangélico-missionário aos migrantes, preferencialmente os mais pobres em situação de maior vulnerabilidade, que necessitam de uma ação pastoral específica”¹².

Mesmo antes da fundação da Congregação, Scalabrini escrevia a Pe. Consoni: “A obra dos missionários seria incompleta, especialmente na América do Sul, sem a ajuda das irmãs. Por isso, pedi a várias congregações já existentes, mas não consegui nada”¹³. Na resistência de outras congregações, para trabalhar com os migrantes, sentimos que perpassa os desígnios misteriosos da Providência de Deus. Éramos nós, missionárias scalabrinianas, que estávamos sendo gestadas no Plano de Deus. E recordando uma imagem do profeta Jeremias, com certa ousadia podemos afirmar: éramos como um ramo de amendoeira, prestes a dar flor, e Deus estava vigiando para realizar a sua palavra (Jr 1,11-12). E esta Palavra se realizou, este ramo brotou, deu flores e embelezou o jardim dos carismas femininos na Igreja.

E também são célebres as palavras de Scalabrini sobre a mulher missionária, pouco antes de partir para a missão: “Deus infundiu no coração da mulher uma atração toda particular com a qual exerce um poder arcano sobre as mentes e os corações. Confio, portanto, que respondereis à graça de Deus que vos chama a uma terra longínqua para uma sublime missão¹⁴.

A Igreja reconhece o ‘gênio feminino’, o carisma da feminilidade com toda a beleza e riqueza que lhe são próprios¹⁵ e não apenas nas diversificadas atividades apostólicas, mas também em outros âmbitos, como no campo da reflexão teológica, cultural e espiritual”¹⁶.

2.4 A participação dos leigos no carisma scalabriniano
A eclesiologia do Concílio Vaticano II colocou à luz a complementaridade das diferentes vocações na Igreja, chamadas a serem, juntos, testemunhas do Senhor Ressuscitado em cada situação e lugar. Os leigos são chamados e enviados a tomar parte ativa, consciente e responsável na missão da Igreja.

A comunhão eclesial configura-se como uma comunhão “orgânica” que se caracteriza pela presença simultânea da diversidade e da complementaridade das vocações e condições de vida, dos ministérios, carismas e responsabilidades¹⁷.

Scalabrini tinha uma admiração muito especial pelos leigos e contava muito com a sua colaboração nas várias atividades pastorais. Tinha a firme convicção que o laicato tem o seu apostolado, a sua missão apostólica. Afirmava: Não podeis também vós, embora leigos, exercer, no pequeno mundo que vos circunda, o apostolado da palavra, usando nas conversas, nas instruções, no corrigir uma linguagem que edifique? O apostolado do exemplo, professando abertamente, sem temor, a vossa fé? O apostolado da caridade, socorrendo os pobres, visitando os enfermos, consolando os aflitos, fazendo o bem a todos? O apostolado da civilização, cooperando na destruição do pecado, que torna miseráveis os povos e incrementar a justiça que faz prosperar as nações? Nas necessidades da Igreja cada cristão deve ser um apóstolo, ardente e generoso¹⁸.

E continua dizendo: Vós leigos, podeis muito. Cabe-vos apropriar-vos da sociedade, refazê-la cristã, trabalhando com amplidão de idéias, com tenacidade de propósitos, a fim de que, o espírito do Evangelho penetre em toda parte e revista tudo o que é elemento da vida intelectual, moral e muitas vezes, também física do homem. Scalabrini também exorta os leigos a professarem diante de todos a fé, a glorificarem o Senhor nas conversas, nos escritos, nos vários encontros da vida¹⁹.

Na memória histórica da Congregação, desde o início, se perfila uma fecunda partilha entre leigos e irmãs. Estes constituem uma presença gratuita constante em diversas modalidades junto à maioria das nossas missões.

3.A dimensão missionária do carisma scalabriniano
A missão que recebemos da Igreja é o serviço evangélico-missionário aos migrantes, preferencialmente os pobres em situação de vulnerabilidade e se concretiza através da pastoral dos migrantes, em diferentes formas, num empenho comum de evangelização profética. A pastoral dos migrantes se concretiza nas várias áreas de atuação: religiosa, educativa, cultural, social e da saúde. Realiza-se através de obras, serviços, atividades que expressam a diversidade e a harmonia do compromisso missionário das irmãs na Igreja e na sociedade²⁰.

A missão scalabriniana, por sua natureza comunitária, configura o estilo de vida da irmã e da comunidade. Esta missão realiza-se através da participação e do dinamismo de todas, despertando novas vocações com o seu testemunho de vida e ação apostólica. Trata-se de construir comunidades capazes de viver o dinamismo da comunhão e testemunhá-lo aos migrantes e à Igreja²¹.

Através de toda a ação apostólica a Congregação visa contribuir para a formação de uma sociedade mais humana, fraterna e solidária, fundada nos princípios do Evangelho e nos direitos fundamentais da pessoa.

A nossa ação missionária abrange todas as dimensões da pessoa migrante, do refugiado, que está à procura de pão para satisfazer suas necessidades materiais, da Palavra para encontrar o sentido de sua existência e de comunidades que satisfaçam suas necessidades de amor e de pertença, nas quais ninguém se sinta estrangeiro.

A participação ao carisma scalabriniano supõe, a capacidade de ver a migração e, por conseguinte, toda a mobilidade humana, não apenas como um fenômeno humano, mas visto e interpretado à luz da fé. Esta leitura faz transcender os limites de nação, raça, cultura, religião, sendo articuladoras e profecia de comunhão entre os povos, eliminando fronteiras, a fim de que todo lugar se torne para o migrante, como dizia Scalabrini, a pátria que lhe dá o pão.

4.A dimensão espiritual do carisma scalabriniano
Na dimensão espiritual do carisma, nossas Constituições definem a espiritualidade como cristocêntrica em perspectiva trinitária, que se encarna na realidade dos migrantes. Esta experiência vivida pelo Fundador e Cofundadores, fundamenta-se na Encarnação de Jesus Cristo, que coloca sua tenda entre nós. Vivida em comunidade, a espiritualidade se alimenta, principalmente, da Eucaristia, da escuta da Palavra de Deus, da devoção a Maria e dos apelos dos migrantes²². Esta espiritualidade está ancorada no Deus que prefere a tenda como sua morada, que se faz peregrino em Jesus Cristo, para caminhar ao lado dos migrantes e de todos os que lutam pela vida.

O apelo é sermos missionárias “contemplativas na ação”²³. Não podemos separar espiritualidade e missão, ambas estão interligadas, integradas. A meta última é a santidade e a santidade é a medida alta da vida cristã ordinária e não só, é a meta de todo caminho pastoral. E colocar a pastoral nesta perspectiva é uma opção carregada de consequências²⁴.

Para nós, irmãs mscs, e para todos os que partilham conosco o carisma scalabriniano, o texto bíblico da escada de Jacó (Gn 28,10-22), representada no brasão episcopal de Scalabrini, inspira e fundamenta as duas dimensões do carisma que precisam sustentar-se mutuamente: a espiritualidade e a missão, ou seja, uma experiência, que integra contemplação e ação.

O núcleo central da espiritualidade cristã é sempre Jesus Cristo e tem como protagonista o Espírito. Todas as espiritualidades são um aspecto da espiritualidade evangélica, a partir do qual se vive a totalidade do Evangelho. Para nós, o aspecto peculiar do Evangelho é encarnar, viver, testemunhar Cristo que viveu errante e forasteiro na sua terra e não tinha onde reclinar a cabeça (Mt 8,20). Ele mesmo se identifica com o estrangeiro que necessita de acolhida e reconhecê-lo nesta veste é decisivo para a própria salvação: “era forasteiro e me acolhestes” (Mt 25,35).

Embora a experiência migratória não faça parte da vida de todas as pessoas, no sentido espiritual, todos “somos estrangeiros e peregrinos nesta terra” (Hb 11,13), rumo à verdadeira pátria, na plenitude da comunhão trinitária, quando tudo será submetido ao Filho e esse entregar tudo ao Pai, para que Deus seja tudo em todas as coisas.

As grandes espiritualidades na vida da Igreja se mantêm voltando constantemente às suas fontes. É o “beber em seu próprio poço”. Somente “uma espiritualidade específica pode revestir de profecia a nossa presença na Igreja e no mundo e dar vitalidade à nossa missão²⁵.

Fazem parte da identidade espiritual e missionária da Congregação, a acolhida, a itinerância e a comunhão na diversidade²⁶.

A acolhida, através dela participamos do projeto de Deus, para que a terra se torne lugar de fraternidade e de partilha, antecipação daquele banquete do Reino, onde ninguém é excluído e todos são chamados pelo Pai pelo próprio nome²⁷.

Acolher pressupõe um desejo e uma atitude mental e espiritual em direção ao outro, que supera preconceitos, distâncias e indiferenças. O processo de acolhida exige esvaziamento de si, é construir pontes entre uma cultura e outra, entre um povo e outro. Isto exige escutar, dialogar, empenhar-se em relações fraternas, numa palavra, construir uma Cultura do Encontro.

A itinerância não é apenas geográfica, mas é também uma atitude mental, cultural, espiritual, de desenraizamento das seguranças, das ideias, das posições cristalizadas, dos cargos, da autorreferencialidade. A itinerância deve tornar-se um estilo de vida.

Sentir-se itinerante, “migrante com os migrantes”, viver na provisoriedade, modifica a própria pessoa, as tarefas, as estratégias, as finalidades da missão. A missionária vive numa atitude de êxodo permanente: êxodo de si mesma; êxodo eclesial; êxodo sócio-cultural.

A comunhão na diversidade é um apelo a sermos instrumentos que tecem relações de comunhão, testemunhas da fraternidade universal, reflexos de comunidades “casa e escola de comunhão”²⁸.

Tornar nossas comunidades “casa e escola de comunhão”, é sentir-se “Igreja em saída”, desafiadas a abraçar as pessoas e grupos que “não contam”, em fuga de situações de extrema vulnerabilidade social e pobreza; da violência e da guerra; da intolerância étnica e religiosa. São pessoas em longas e perigosas travessias, movidas pela esperança de uma vida melhor.

Os diversos locais de atuação missionária podem tornar-se o espaço da partilha, lugar da integração, de relações que acolhem o outro na sua diversidade, tornando presente a experiência do Pentecostes.

Concluindo, com esperança, continuemos a colaborar na obra de Deus. Ele é o protagonista. Dizia Scalabrini: “O homem propõe, mas Deus dispõe; o homem se agita, mas Deus o conduz; o homem trabalha e semeia o seu campo, mas o fruto do seu trabalho, quem o dá é Deus” . E o papa Francisco nos exorta: “Não deixemos que nos roubem a esperança”³⁰.

Que esta esperança esteja enraizada no coração de cada um de nós e nos motive a caminhar confiantes, na certeza que “a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).

Sejamos testemunhas do anúncio do Evangelho e revelação da ternura materna de Deus e da Igreja³¹. E oxalá o carisma possa resplandecer cada vez mais através da participação e do dinamismo de cada missionária scalabriniana e despertando novas vocações com o testemunho de vida e ação apostólica³².


¹PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DOS MIGRANTES E ITINERANTES, Instrução Erga Migrantes Caritas Christi (EMCC), Roma 2004.
²CONGREGAÇÕES SCALABRINIANAS – MISSIONÁRIOS E MISSIONÁRIAS DE SÃO CARLOS, Scalabrini uma voz atual, Loyola, S. Paulo 1989, p. 355-356.
³Cf. Scalabrini uma voz atual, p. 421-422.
⁴Scalabrini primeiro buscou a ajuda das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, fundadas por S. Francesca Saverio Cabrini e depois, das Filhas de Sant’Anna, fundadas por Rosa Gattorno. Porém, estas irmãs, que tiveram o dom de participação aos respectivos carismas de suas Congregações, não se adaptaram ao estilo de vida e ao serviço evangélico específico com os migrantes.
⁵Este foi o nome da Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas, conforme as primeiras Constituições escritas por Pe. José Marchetti. Encontramos esta confirmação num dos escritos de Madre Assunta Marchetti: cf. Brevi Cenni, Sede Geral das Irmãs Scalabrinianas, Roma 1991, p. 6.
⁶Cf. Scalabrini uma voz atual, p. 445-446.
⁷Cf. J.M. LOZANO, El fundador y su familia religiosa. Inspiración y carisma, Madrid, p.51.
⁸F. CIARDI, Il contributo dei religiosi alla società, Mimeo, Roma 2008, p. 1.
⁹Cf. Dizionario Teologico della Vita Consacrata, Ancora, Milano 1994, p. 95-98.
¹⁰JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica pós-sinodal, Vita Consecrata (VC), n. 37.
¹¹MSCS, Normas Constitucionais (NC), n. 3.
¹²NC, n. 5.6.
¹³Scalabrini uma voz atual, p. 421.
¹⁴M. FRANCESCONI, Giovanni Battista Scalabrini, Città Nuova Editrice, 1985, p. 1055.
¹⁵CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Para vinho novo, odres novos, n. 17.
¹⁶VC, n. 58.
¹⁷Cf. Papa JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Christifideles Laici (CfL), n. 20.
¹⁸Cf. Scalabrini uma voz atual, p. 191.
¹⁹Ibidem, p. 192.
²⁰NC, n.113-114.
²¹NC, n. 115.
²²NC, n. 4.
²³JOÃO PAULO II, Encíclica Redemptoris Missio (RMi), n. 91.
²⁴Novo Millenium Ineunte (NMI), n. 31.
²⁵Traditio Scalabriniana (TS), n. 4
²⁶NC, n. 3.
²⁷TS, n. 3.
²⁸NMI, n. 43.
²⁹Scalabrini, Carta Pastoral, 1905.
³⁰FRANCISCO, Exortação Apostólica, Evangelli Gaudium, n. 86.
³¹NC, n. 112.
³²NC, n. 115.

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