No ano em que celebramos os 130 anos da fundação da Congregação das Irmãs Scalabrinianas e da chegada de Madre Assunta Marchetti ao Brasil, traremos uma série de entrevistas para conhecer a realidade da missão das Scalabrinianas na Província Maria, Mãe dos Migrantes.
No dia 11 de abril, a missão de Porto Velho celebrará a inauguração do Centro Assunta Marchetti, para acolhimento de migrantes, no espaço originalmente fundado para atender e recuperar crianças desnutridas, projeto interrompido após o falecimento da Irmã responsável.
As Scalabrinianas chegaram a Porto Velho/RO em 1983, para atendimento dos migrantes internos, fazendo o acompanhamento dos bairros que surgiam na cidade e auxiliando na formação das comunidades. Para entender melhor essa missão, conversamos com a Ir. Osani Benedita da Silva, Missionária Scalabriniana, que compartilha sua experiência sobre o trabalho pastoral com os migrantes em Porto Velho.
Confira abaixo a entrevista do Serviço de Comunicação com a Ir. Osani.
Qual é o perfil dos migrantes que chegam até a missão?
Ir. Osani: O público é principalmente de venezuelanos, cubanos e bolivianos, sendo a maioria mulheres com muitos filhos, mas também tem idosos e jovens, é um público bastante misto.
Quais são os principais desafios enfrentados pelos migrantes em Porto Velho?
Ir. Osani: Mais que tudo, a maioria não tem Porto Velho como destino, então o desafio é seguir a viagem e chegar nos seus destinos, que são os estados do Sul, São Paulo e outros estados do Brasil. Então eles chegam já sem dinheiro para seguir a viagem ou terminam a viagem por aqui mesmo. Aqui falta abrigo, no caso de acolhida, casa de apoio, e falta também uma assistência pela questão da continuidade da viagem.

Existe algum fator que esteja agravando a situação migratória na região?
Ir. Osani: O fato de não ter acolhida e não ter como seguir a viagem, está gerando muita população de migrantes na rua, com famílias que dormem na rodoviária por vários dias. O CREAS várias vezes nos liga para pedir ajuda para atender alguns casos necessários.
Tem também a questão da saúde, que é bastante impactada pela viagem, pelo cansaço, pela má alimentação e os migrantes chegam aqui muitas vezes doentes. Eles são atendidos pelo sistema de saúde, mas é um atendimento que não soluciona o problema.
Como as Scalabrinianas respondem a essas necessidades?
Ir. Osani: Nós temos um espaço de acolhimento em que criamos uma solução por vez, porque atualmente estamos trabalhando sem projetos de ajuda, mas tem muita solidariedade, mais que tudo da própria igreja. Sempre criamos formas de tornar a missão minimamente autossustentável, então trabalhamos basicamente com solidariedade e vamos resolvendo caso por caso. Seja pagando hotel para um, complementando a viagem para outro, conseguindo uma cesta básica para outro, nós temos muitas respostas.
Agora, estamos nos preparando para dar uma resposta mais efetiva, que é a Casa de Acolhida, que nós estamos por inaugurar. Estamos organizando e adequando uma casa, que terá capacidade para atender 40 pessoas e ela vai atender essa migração de trânsito, essa população que está ficando nas ruas, nas rodoviárias. Então, essa é a nossa resposta, além do acompanhamento para documentação, na saúde, também vamos ter esse espaço de acolhimento.
















Como foi o processo de reforma da casa de acolhida?
Ir. Osani: Primeiro, nós trabalhamos 1 ano como não deveria ser, improvisado. Durante esse período, atendemos cerca de 400 migrantes que passaram pela casa, que ainda não tinha funcionários.
Depois, a casa foi fechada e, em maio, vai completar 1 ano do início da reforma. Agora, estamos com projetos em análise para equipar a casa. Estamos também no diálogo com a Igreja local para garantir a alimentação e a congregação vai garantir a equipe de trabalho.
Ainda está tudo em construção, mas é um ato de fé, de abrir sem ter todas as condições, mas se deu certo antes, agora também vai. É bom, também, porque temos um comprometimento da congregação e nos sentimos muito amparadas.
Como a senhora se sente com a proximidade da inauguração da casa de acolhida?
Ir. Osani: Me sinto muito feliz, agradecida, mas mais que tudo o que mais me alegra é porque é um comprometimento institucional da congregação. Elas estão acompanhando o passo a passo, da mesma forma que a Arquidiocese de Porto Velho também está.
Então, sentimos que é uma causa de todos, que nós vamos estar lá atendendo e se dedicando, mas não estamos sós. É um sentimento de gratidão, de alegria, de louvores e de confiança.
E o que sempre teve foi a coragem, coragem de provocar, de insistir que vale a pena acreditar no sonho. Eu tive que defender muito essa proposta e acho que, com isso dando certo, com tanta gente envolvida, só tem que ser agradecimento. Agora vamos seguir nos dedicando e fazendo o melhor trabalho que pudermos fazer.
Quais projetos ou serviços a missão de Porto Velho oferece para os migrantes e refugiados?
Ir. Osani: Atualmente, temos um projeto em que fabricamos picolés e oferecemos para os migrantes venderem para ajuda financeira imediata.
Temos também o espaço de acolhimento, que fazemos escuta e acompanhamento na sala da Pastoral dos Migrantes. Temos voluntários que acolhem e todos os casos que escutamos nós encaminhamos para assessoria jurídica, que temos a partir de um convênio com a faculdade de Direito, e temos também o encaminhamento para os órgãos públicos.


Mas a nossa resposta mais efetiva vai ser essa casa de acolhida, onde vamos oferecer vários projetos de capacitação. Também temos convênio com o Instituto Federal de Rondônia e agora estamos com 7 cursos de capacitação profissional, como balconista de farmácia, cuidador infantil, entre outros, que tem duração mais curta.
Existe alguma parceria com outras organizações ou entidades?
Ir. Osani: Hoje nós temos uma instituição que encaminhamos pessoas para cursos profissionalizantes, que não é um convênio, é mais um diálogo, eles oferecem os cursos e nós somente fazemos o encaminhamento.
Temos também o IFRO, a Faculdade de Direito e temos, ainda, diálogos com o Ministério Público. Estamos também em contato com vários outros órgãos, como a Vara Penal, para apoio na execução dos projetos.
Como é o dia a dia do trabalho missionário junto aos migrantes?
Ir. Osani: Nós atendemos na sala da Pastoral, fazemos esse acolhimento, a triagem e, de acordo com as demandas, vamos atendendo e envolvendo os voluntários. Fazemos muitos encaminhamentos para atendimento psicológico pelo Legame, que é um serviço da própria congregação, e o Acalmamente. Pela dificuldade do idioma, também acompanhamos nas consultas médicas, para facilitar o atendimento.
Temos também um programa junto com a paróquia que é de reforço escolar para filhos de migrantes, que já está no segundo ano e é acompanhado pela Ir. Aparecida, e é um espaço muito importante de alfabetização das crianças migrantes, para que possam ter um melhor rendimento na escola.
Há alguma história que tenha marcado sua trajetória?
Ir. Osani: Aqui em Porto Velho, um momento marcante, devido a essa questão de não ter abrigo, foi quando fomos até a rodoviária para levar alguém para o hotel, porque não temos como levar todos, mas íamos ver quem tinha prioridade e levar um deles.


Das pessoas que estavam lá, uma era uma mulher em tratamento de câncer, com a bolsa de colostomia, outra uma mulher grávida e outra estava amamentando com duas crianças pequenas. Quando perguntei quem seria prioridade, elas me disseram que preferiam que déssemos alguma comida, porque preferiam dormir ali mesmo.
Essa história me marcou muito, foi o dia que eu disse para elas que lutaria para ter uma casa de apoio para que os migrantes não tivessem mais que dormir na rua. Foi uma história que me moveu e me fortaleceu para a busca desta casa de acolhida.
Esse momento, vendo as pessoas naquelas condições, dormindo em cima das bolsas, me marcou muito, me provocou e me comprometeu com a causa do abrigamento aqui em Porto Velho, que é uma das primeiras demandas que a gente tem contato.
Nessa mesma linha de acolhimento, também teve o dia que, numa Quinta-feira Santa, nós abrimos, improvisadamente, a nossa casa, que ainda não estava definida para o abrigo, e acolhemos 27 pessoas de uma só vez.
Como a comunidade local interage com os migrantes?
Ir. Osani: É aquela velha relação de amor e ódio. Tem os que acolhem, que apoiam, que sensibilizam e os que questionam tudo, mas a maioria apoia. Hoje a Paróquia compreendeu muito essa realidade e nós temos um grupo de 30 voluntários envolvidos na missão.
Nós temos um café, com um grupo que prepara tudo para a venda, e as pessoas que vêm consumir já sabem que estão apoiando os migrantes e hoje temos muitos clientes. E, por exemplo, quando temos alguma campanha rápida, por alguma necessidade, também temos bastante envolvimento da Igreja.
Quais são os maiores frutos do trabalho da missão em Porto Velho?
Ir. Osani: O envolvimento das pessoas, por exemplo, estamos agora com a missa em espanhol, e os brasileiros estão cantando em espanhol junto com os migrantes, e acho que isso é integração e é fruto desse trabalho de sensibilização.


Também as capacitações, os voluntários e a reforma da casa, que vem de uma longa história. Ainda, o envolvimento de algumas paróquias que estão dialogando com a gente, se comprometendo a ajudar a manter a casa, a fazer doação de alimentos.
Então, acho que é isso, o envolvimento e o engajamento da comunidade local e esse bom diálogo com os migrantes, porque eles confiam muito no nosso trabalho, isso também é fruto da dedicação das Irmãs Scalabrinianas e dos voluntários.
O que significa para você viver os 130 anos da fundação da Congregação em sua missão?
Ir. Osani: Eu já passei por várias missões e desde que comecei a me dedicar ao atendimento aos migrantes eu sou muito feliz. Antes eu trabalhava com a formação de jovens e também gostava muito, mas o atendimento e o acolhimento de migrantes é muito importante para mim e eu me sinto muito feliz e muito agradecida pelo nosso carisma, pela nossa história e por eu estar fazendo parte dela há 30 anos.
Eu faria tudo de novo e acho que a gente tem uma congregação bonita, que tem dado uma resposta bem efetiva e comprometida com o nosso carisma. Apesar de estar longe da família, eu estou muito feliz de estar aqui nesse momento e estar inaugurando essa casa nesse momento histórico de tanta demanda.
Significa muito para mim, agradeço antes de tudo por todas as que já passaram e também por nós, que estamos nesse momento fazendo essa história.
Do Serviço de Comunicação