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130 anos em entrevista: conheça mais sobre a realidade migratória em Angola

No ano em que celebramos os 130 anos da fundação da Congregação das Irmãs Scalabrinianas e da chegada de Madre Assunta Marchetti ao Brasil, traremos uma série de entrevistas para conhecer a realidade da missão das Scalabrinianas na Província Maria, Mãe dos Migrantes.

De acordo com o ACNUR, a Agência da ONU para os Refugiados, Angola abriga pelo menos 57 mil refugiados e requerentes de asilo, a maioria originária da República Democrática do Congo. Diante desse contexto, a Comissão Episcopal da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes de Angola e São Tomé (CEPAMI) atua para sensibilizar a sociedade civil e a Igreja sobre a situação dos migrantes e refugiados. Para entender melhor essa missão, conversamos com a Ir. Carla Luísa Frey Bamberg, Missionária Scalabriniana e Secretária Executiva da CEPAMI, que compartilha sua experiência sobre o trabalho pastoral com os migrantes na região e a realidade migratória do país.

A CEPAMI é um organismo da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), criado em 31 de outubro de 2006, com a finalidade de organização e dinamização dos diversos serviços pastorais conforme as recomendações do Setor Migrantes e Refugiados, do Dicastério para o Serviço do desenvolvimento Humano Integral, da Santa Sé. A Comissão incorpora os setores específicos da Pastoral para os refugiados, repatriados e deslocados internos, Apostolado do Mar, Pastoral da Aviação Civil, Pastoral da Estrada e Comunidades de Migrantes.

Em dezembro de 2024, a CEPAMI recebeu na Premiação Nacional dos Direitos Humanos, realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos de Angola, o Certificado de Mérito pelo trabalho desenvolvido a nível dos direitos humanos no território angolano.

Confira abaixo a entrevista do Serviço de Comunicação com a Ir. Carla Frey.

Qual é o perfil dos migrantes atendidos pela CEPAMI?
Ir. Carla Frey:
O público da CEPAMI são os migrantes, refugiados, deslocados, e o público-alvo principal são as mulheres e crianças refugiadas. A maioria é originária da República Democrática do Congo, são congoleses que estão em Angola. No total, são mais de 60 mil refugiados no país, a maioria jovens do sexo masculino.

Quais são os principais desafios enfrentados pelos migrantes em Angola?
Ir. Carla Frey:
As principais necessidades dos migrantes e dos refugiados que pedem asilo para o ACNUR são no quesito da moradia, alimentação, estudo e documentação. Além disso, temos a questão das doenças tropicais, como malária, febre tifóide, tuberculose, que afetam a população em geral.

Angola é um país que tem muita vulnerabilidade, este ano o salário mínimo é de U$70, e esse valor, na verdade, não cobre todos os gastos. Esse é um grande desafio, diante do contexto atual, que toda a população percebe, mas afeta principalmente os migrantes e refugiados, porque eles têm menos acesso ainda à saúde e educação.

Existe algum fator que agrave a situação migratória na região?
Ir. Carla Frey:
O que mais agrava é a questão interna e a emigração, pois tem muitos angolanos saindo do país e a maioria são jovens, que terminaram a faculdade e não têm emprego aqui. Este ano estamos preocupados também com a guerra no Leste do Congo, que começou no final do ano passado, e tem grande probabilidade de Angola receber alguns desses refugiados.

Outro problema é a documentação dos filhos dos refugiados, porque, por exemplo, os congoleses que têm filhos aqui não são registrados como angolanos. Além disso, tem a dificuldade de conseguir acesso à educação, saúde, aposentadoria, entre outros, que é difícil para todos. A população daqui eu vejo que sofre muito, então o refugiado também vai sofrer com essas situações.

Em relação à migração interna em Angola, é mais voltada para a busca por emprego e estudo?
Ir. Carla Frey: Sim, interna sim, que são os jovens, porque Angola é um grande território, mas nas províncias não tem universidades, não tem espaço de trabalho, só a lavra, que seria a agricultura, mas também tem a dificuldade de escoamento, porque as estradas são péssimas. Então, muitas vezes, não vale a pena trabalhar na agricultura, porque não tem como escoar os alimentos.

Como as Scalabrinianas respondem a essas necessidades?
Ir. Carla Frey: Na área da alfabetização, como muitas crianças não estão no ensino regular, nós temos projetos de aulas de alfabetização e reforço escolar em periferias, onde providenciamos equipamentos e pagamento de professores através de projetos sociais que vêm da Europa. Esse ano estamos com os financiamentos da Misereor e da Manos Unidas.

Como estamos nas 20 dioceses, nós delegamos e enviamos projetos para o Uíge, por exemplo, onde tem outras Irmãs Scalabrinianas, que lá executam um projeto nosso na fronteira com o Congo. Mas também tentamos ajudar os interiores, principalmente onde há mais fuga de jovens, enviando projetos para irmãs e padres de outras congregações. Essa é uma forma de prevenir a migração, para que eles possam se formar e trabalhar no seu próprio estado e gerar recursos financeiros e, também, evitar que todos venham para a capital.

Quais projetos ou serviços a CEPAMI oferece para os migrantes e refugiados?
Ir. Carla Frey:
A nossa prioridade é a formação humana e espiritual, com as oficinas e formações, mas nós primamos a formação nacional, na qual participam os animadores, que recebem a formação dentro da Pastoral das Migrações e depois realizam a missão nas suas dioceses, acolhendo os migrantes e integrando nas comunidades.

Outra questão que nós temos muito forte é a incidência com o governo. Por exemplo, o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, sempre dá um preletor para falar da realidade local nas conferências nas dioceses.

Temos, ainda, contato direto com o Vaticano e sempre recebemos projetos do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, porque somos vistos como uma Pastoral bem articulada, a nível de África e a nível mundial.

Existe alguma parceria com outras organizações ou entidades?
Ir. Carla Frey:
Trabalhamos muito com as organizações, como o ACNUR, o JRS, que é o Serviço Jesuíta aos Refugiados, os Salesianos, os Verbitas e outras instituições que têm centros de acolhimento, que trabalham diretamente com projetos com pessoas vulneráveis, principalmente em abrigos, para perceber a lógica dessa assistência, que deve ser de promover a pessoa como um todo.

A CEPAMI também está dentro disso e é uma das cabeças que faz as reflexões mensais da Rede de Proteção ao Migrante e Refugiado de como ajudar o refugiado a se tornar protagonista. Agora os refugiados já têm a sua organização e fazemos mensalmente uma reunião com os líderes, de 14 nacionalidades, fazendo que eles levem a formação para as suas comunidades.

Como é o dia a dia do trabalho missionário junto aos migrantes?
Ir. Carla Frey:
Apesar de termos um calendário para o dia-a-dia, muitas vezes não conseguimos seguir o planejamento porque temos muitas surpresas no dia-a-dia. Trabalhar com migrantes e refugiados tem muitas surpresas no nosso caminho, muitas histórias, situações, mas também muitas alegrias.

Na Grande Luanda existem três centros de refugiados onde temos até escritório para atender, mas na verdade nós só executamos os projetos e só vamos lá fazer visitas de monitoria. Temos ainda as atividades, formações e encontros com os migrantes e refugiados, com participação das comunidades dos bairros que solicitam ou onde vemos que há mais necessidade.

Há alguma história que tenha marcado sua trajetória?
Ir. Carla Frey:
Recentemente recebi o agradecimento de uma refugiada, a Mariamo, que conseguiu com a ajuda da CEPAMI uma cirurgia de um tumor, que cobria todo o rosto de bolhas e só se via os olhos, porque nós temos parcerias com médicos que ajudam quando mandamos os refugiados, que depois nos dão esses relatos.

Temos também várias histórias de refugiados que foram realocados para os Estados Unidos, porque teve esse processo feito pelo ACNUR e a CEPAMI ajudou a fazer a intermediação e depois eles nos escrevem agradecendo, contando que estão bem, dando esse feedback.

Além disso, as histórias mais marcantes são as de mortes precoces. Por exemplo, eu estava de férias no Brasil, cheguei aqui em Luanda e tinha um irmão quase morrendo e a gente estava jogando bola até pouco antes de eu ir. Então tem coisas que fazem pensar que aqui cada dia que você vive, vive intensamente e agradece a Deus porque está vivo.

Como a comunidade local interage com os migrantes?
Ir. Carla Frey:
É bem positivo, a gente trabalha muito com a comunidade local nas formações, fazendo com que os leigos saibam como acolher esses migrantes e refugiados.

Por exemplo, aqui em Luanda nós temos as comunidades lingala, que são igrejas que têm o rito congolês. Essa é uma forma de eles se sentirem em casa. A intenção é integrá-los, que aprendam o português e celebrem em português, mas, no início, ela deve ir assimilando a cultura com a dela, então é necessário que ela tenha contato com a cultura de onde ela saiu.

Por isso a gente tem essas reuniões com os líderes dos migrantes e refugiados, para integrá-los, e é também uma forma de partilhar em comum e isso faz todo mundo crescer e ter outra visão.

Quais são os maiores frutos do trabalho da missão/unidade?
Ir. Carla Frey:
Uma coisa que nós, as organizações que trabalham com os migrantes, conseguimos no ano passado foi que os refugiados conseguissem o cartão de refugiado. Muitos faziam 10 anos que não tinham documentos e por isso não tinham acesso a muitas coisas.

Também a maior sensibilidade à causa do migrante e refugiado e a CEPAMI ficando cada vez mais conhecida a nível do território nacional. Quando falam do tráfico humano, de migrantes, já se pensa nas Irmãs Scalabrinianas, na CEPAMI.

Pelo Serviço de Comunicação

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