A relação entre migração e tecnologias digitais foi um dos temas dos Grupos Temáticos durante a 3ª Conferência Internacional sobre Migração e Refúgio (ICoMiR), promovida pelo Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM).O tema em foco foi “Mídia e Migrações”. A atividade contou com exposições das professoras Denise Cogo (ESPM) e Júlia Camargo (UFRR), além do pesquisador Lucas Arantes Zanetti, que trouxeram uma análise crítica sobre o papel das big techs e das plataformas digitais na vida de migrantes e refugiados.
O grupo apresentou o conceito de “capitalismo de vigilância”, alertando para o poder das plataformas digitais — como Google, Meta e Amazon — na coleta e uso de dados, inclusive em contextos humanitários. “Essas plataformas atuam diretamente na crise das democracias, potencializando a polarização ideológica e favorecendo regimes totalitários”, destacou a apresentação, com base em estudos recentes.
A digitalização da vida impacta diretamente a experiência migratória. No Brasil, por exemplo, migrantes venezuelanos enfrentam precariedade digital e informativa, com dificuldades de acesso à internet e a equipamentos. Segundo dados da plataforma R4V, 69% dos venezuelanos não têm acesso a Wi-Fi, o que limita tanto a integração social quanto o acesso a direitos.
Além das dificuldades, a apresentação também evidenciou a agência dos migrantes no uso das tecnologias: desde a venda de serviços digitais até o ativismo político e a produção de conteúdo nas redes sociais. “Há também influenciadores migrantes que utilizam as redes para criar pertencimento e visibilidade”, apontaram os especialistas.
Outro ponto de destaque foi o alerta contra o racismo algorítmico e o crescimento de discursos anti-imigração disseminados online. Estratégias de desinformação, instrumentalizadas por grupos extremistas, contribuem para a desumanização do migrante, criando narrativas que fomentam o medo e a exclusão.
Para enfrentar esses desafios, o grupo recomendou o fortalecimento da cobertura midiática qualificada sobre migrações, com respeito à diversidade e foco na humanização. Foram apresentados ainda recursos e guias voltados a jornalistas e comunicadores que atuam com o tema.
Outras recomendações do grupo incluem:
- Reconhecimento do acesso à internet e a dispositivos digitais como um direito fundamental, especialmente para populações em mobilidade, sendo essencial para o acesso à informação, manutenção de vínculos familiares, oportunidades de trabalho e serviços públicos.
- Entendimento de que a precariedade digital entre migrantes não é apenas uma questão técnica, mas uma barreira ao exercício pleno da cidadania.
- Inclusão de políticas públicas voltadas à inclusão digital de migrantes.
- Reflexão sobre o papel ambíguo das organizações, que, ao digitalizarem seus serviços, podem tanto facilitar o acesso quanto promover exclusões.
- Reconhecimento de que migrantes não são apenas usuários vulneráveis das tecnologias, mas também produtores culturais, criadores de conteúdo, microempreendedores e ativistas digitais.
- Valorização do papel de influenciadores migrantes no combate a estereótipos e na criação de redes de solidariedade.
- Incentivo ao fortalecimento de coletivos de monitoramento de discursos de ódio e de fake news sobre migração.
- Reforço de que, em situações de crise (como desastres, deslocamentos forçados ou emergências sanitárias), a comunicação digital acessível e segura pode salvar vidas.
- Necessidade de plataformas mais adaptadas à realidade de pessoas com pouco acesso digital ou com baixa fluência tecnológica.
- Inclusão da perspectiva de jovens migrantes, que muitas vezes atuam como mediadores digitais entre suas famílias e os serviços disponíveis. Esses jovens podem ser protagonistas na construção de pontes interculturais e de projetos de inclusão digital em suas comunidades.
A 3ª ICoMiR reforça o compromisso em promover debates interdisciplinares e ações concretas em defesa dos direitos das pessoas migrantes e refugiadas.
Por Ir. Luciana Pitol, do Serviço de Comunicação