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Scalabrinianas participam da 45ª Romaria da Terra em Eldorado do Sul

Na terça-feira, 21, aconteceu em Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul, a 45º Romaria da Terra que, entre diversas outras organizações, contou com a presença das Irmãs Scalabrinianas.

A Romaria da Terra acontece em um município diferente a cada edição e é organizada pela CPT, MST, Via Campesina, Conselho Indigenista Missionário Sul (Cimi), Comissão das Pastorais Sociais e Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap).

Confira imagens:

Leia abaixo a carta do Bispo Auxiliar de Porto Alegre, Dom Adilson Pedro Busin, cs, para a 45ª Romaria da Terra.

45ª Romaria da Terra do Rio Grande do Sul
Tema: Terra e Pão em defesa dos territórios e produção da vida

Assentamento Integração Gaúcha – Eldorado do Sul, 21 de fevereiro de 2023.
1ª Leitura: Lev 25, 18-24
Evangelho: Jo 6, 1-15
Laudato Sì n. 189

Saudação primeira aos 1os habitantes desta terra, os povos indígenas das várias etnias, aqui hoje o grupo dos Mbyá Guarani. A vocês irmãos e irmãs, aos sacerdotes/diáconos religiosos/as; irmãos das igrejas cristãs e outras religiões; às autoridades presentes; aos irmãos bispos presentes.
Quando saúdo os povos originários estendemos nossa solidariedade ao povo Yanomamis, pela situação deplorável a que foram relegados. Terra e pão, lema desta Romaria, quer ser uma defesa explícita de suas terras, pelo fim da exploração, da contaminação e do garimpo que mata. A ajuda emergencial, tão necessária neste momento, deve se tornar uma política clara, determinante e irredutível na defesa de seus rios e florestas, para que volte a ser para eles terra que lhe dá pão, e a viver na dignidade de filhos de Deus.
Solidariedade aos povos que sofrem pelas guerras, terremotos, desastres e pela fome. Unidade fraterna a Mons. Álvarez, bispo preso na Nicarágua, e a todos os perseguidos pelas ditaduras e forças de opressão no mundo. Solidários com os agricultores e os sofrem os efeitos desta estiagem.
A terra fonte do pão A leitura de Levítico, fala da relação respeitosa do povo de Israel para com a terra. O ano jubilar, anunciado como tempo para a terra repousar, enaltece a importância da relação dos ser humano com a criação. Respeito, reconhecimento e cuidado com a mãe terra para que ela continue sendo fértil, doando ao povo os alimentos necessários. O descanso do trabalho humano, que também bíblico, é abençoado. Assim o povo diz: é bom que a terra também repouse. Uma visão de sabedoria que a sagrada escritura nos ensina em relação ao cuidado da terra.
Na língua Guarani, nação indígena de Sepé Tiaraju, terra é YbY. As palavras planta – Ybyra- e ser humano/humanidade – ybypóra – têm a mesma raiz, que nos lembra o gênesis quando Deus, do barro, forma a humanidade. Se quisermos temos água que é Y. “Tudo está interligado”. Ybyrá (árvore) numa tradução livre é como aquilo que sai de dentro da terra, que brota da terra. A mãe que dá à luz. (Lembro alguns indígenas na Guatemala, usam instrumentos de madeira, não de ferro, pra não ferir a mãe terra). Quantos alimentos são originários do solo americano ou ameríndio: feijão, abacate, maiz/avati (milho), as batatas, que são andinas e não inglesas, o coco, a mandioca, que foi levada a África e hoje e uma grande fonte de alimento àquele povo. Tantas plantas frutíferas e medicinais. Terra mãe generosa. Terra e pão. A terra se faz alimento. Até erva-mate (Ka’a), pro tereré e chimarrão para a partilha e roda de amigos.
O Senhor da criação, em Guarani, Tupã Ñandejara, Ñande Ru, não nos fez usurpadores da mãe terra, nem abusadores de sua bondade em nos fornecer alimentos. Fez-nos cuidadores, responsáveis e colaboradores pela vida. Cuidar, tratar com respeito para que ela continue sendo fecunda e generosa para nossa sobrevivência. É dever nosso zelar pela casa comum, onde haja vida e bem viver para todos os seres que a habitam. Aqui, na região do delta do Jacuy, como Igreja em romaria, com o Papa Francisco, reafirmamos nosso compromisso com o cuidado da casa comum, ñande roga guaçu, a grande casa comum. Somos povo que defende a vida em seu todo, aqui e acolá, onde que quer que seja e onde ela sofre, pois ‘tudo está interligado’ como nos diz o Papa Francisco. Cuidar bem da terra, nossa missão. Ela saberá dar-nos o pão.
Caminhar e rezar nesta romaria, é dizer que a terra não pode ser um objeto de lucro, de exaustão máxima para produzir, safra após safra, sem interrupção, sem descanso ou ao menos rotação de produção. A avidez usurpa a terra para empoderar os bolsos e bancos, aumentar as extensões de latifúndio, a concentração do solo, para ter mais e mais, para exportações bilionárias de commodities. Ganância, avidez, egoísmo, as tentações do ter, do poder, do deleite materialista ou ostentação. Salmo já diz que Deus pede contas da insensatez humana (Sl 48). Pesemos em nossos biomas cada vez mais destruídos. Nosso pampa com banhados sulcados, rasgados e esvaziados para a monocultura da soja que avança sempre mais, inclusive mudando a paisagem de nossos campos e os costumes da peonada. Assistimos ao uso desenfreando e agressivo de agrotóxicos e poluentes que minguam o meio ambiente e comprometem nossa saúde. É este o modelo que queremos? Será isto progresso? Por que não repensar nossa política de produção?
O Papa Francisco denuncia este sistema em seu discurso, e no n. 189, da Laudato Sì, condena-o e espera que o mundo e os que pensam a política e a economia, mudem esta perspectiva na qual erroneamente se insiste. Vemos que nem a crise ou a pandemia levou a repensar este modo de tratar a terra e esse modelo produtivo. Enquanto as exportações aumentam a cada ano, convivemos com a fome em milhões de lares em nosso Brasil.

No evangelho, o milagre da multiplicação dos pães, assim conhecido, é o milagre da partilha do pão e dos peixes. Passamos do cuidado da terra à partilha dos frutos. É discípulo de Jesus quem entra nesta lógica de vida. Depois disto Jesus irá dizer: “Eu sou o pão vivo descido do céu”. Ele é o novo maná que alimenta o povo a caminho e a nós em romaria. Ensina os discípulos e a humanidade a olhar para o chão e para os lados, e ver os que habitam conosco, perto ou longe. Ele convoca e diz: “Onde arranjaremos tanto pão pra tanta gente?”. Então tira os discípulos do comodismo, da política do insuficiente “um menino que tem cinco pães e dois peixes, mas o que é isso para tanta gente?” A lógica é outra. Comungar Jesus é permitir que ele seja pão para a vida. Comungar é olhar os rostos humanos, perto ou longe, e partilhar os frutos da terra. Sua presença garante fraternidade e pão a todos. Sua presença sacia nossa fome.
A pandemia revelou a generosidade de tantas pessoas na partilha como os que precisavam, sobretudo no começo desse triste período. Foram gestos generosos de muitos setores da sociedade. As pessoas foram solidárias. Os assentamentos da grande Porto Alegre e outros espalhados pelo RS, organizaram inúmeras ações distribuição de alimentos para tantas entidades e chegando à população. A terra se fez pão, mandioca, feijão, arroz. Fez-se comida na mesa.
Queremos nos comprometer, no pouco ou no muito, como os discípulos ou menino do evangelho, a participar do milagre da partilha. A terra não negará alimento aos filhos deste solo. Uma terra mãe tão grande e generosa como o Brasil. Nem aos filhos de outras pátrias, pois a terra não tem fronteiras. Habitamos o mesmo planeta. E terra é para a vida, somos migrantes e hóspedes, como nos diz a leitura do levítico. Ouso trazer uma frase nota de S. J. B. Scalabrini, pai e apóstolo dos migrantes: “Para o migrante a pátria é a terra que lhe dá o pão!” A palavra de Jesus, rompeu o medo e os cálculos dos discípulos. Diante da humanidade com fome, a Palavra de Jesus Cristo convida a sair, a pensar além de nós. Estende nosso olhar para ver tanta gente. É possível crer, com boas políticas de produção, na cooperação e distribuição de alimentos os famintos podem ser saciados. Num país com tanta terra, com tanta produção de alimentos, a fome é vergonha, escândalo humanitário e pecado social diante de Deus! O que nos diria Jesus? Temos bem mais que cinco pães e dois peixes. Muito mais! E assim mesmo gente passando fome. Um vasto país, tem terra para todos. Fazer esta terra dar pão a todos.
Dignidade e responsabilidade. Estamos aqui (neste assentamento) como aquela multidão diante dos olhos do Senhor. Renovamos nosso crer, esperar e nosso agir. Jesus dirá que Ele é o pão vivo e verdadeiro. Sem sua presença, quem somos nós! Vagantes sem rumo. Ele, com suas palavras. “Fazei-os sentar-se!” conferiu dignidade à multidão. A grama torna-se grande mesa da partilha. Sentar-se à mesa é ter dignidade. Jesus no-la dá a nós também. Não isolados, mas na multidão. E com ele não há desperdício, pediu para recolher as sobras. Se recebemos dignidade também recebemos responsabilidade. Ele nos compromete a participar de seu Reino. Pão de vida eterna! “Com fé e união nossos passos um dia vão chegar”, assim cantamos.
A Romaria da Terra é espaço e tradição profética na defesa dos rios, das sangas e nascentes de nosso torrão gaúcho. Defendemos a diversidade, a produção orgânica, as terras quilombolas, dos grupos indígenas, os produtores da agricultura familiar. Muitos são os exemplos, experiências de produção orgânica, de pequenas cooperativas, da preservação e multiplicação das sementes crioulas, de pequenas propriedades capazes de gerar biodiversidade na produção, gerando emprego no campo e na cidade numa cadeia de produção e comércio, inclusive na merenda escolar dos filhos estudantes. A grande parte dos alimentos vem da agricultura dos pequenos. Por isso queremos que seja prioridade nas políticas agrícolas do governo. (Os políticos presentes defenderão estas pautas por nós). O cuidado da casa comum, obra do Criador, passa por políticas públicas que garantam relação sadia do ser humano com o ambiente em que vive, como nos ensinam os povos originários. Produção saudável, comida saudável e relações humanas saudáveis. A diversidade gera riqueza de vida e comunhão e fraternidade dos povos.
Participar desta 45ª romaria da terra, é renovar a fé no caminho de nossa Galileia como discípulos de Jesus. Passos firmes com as sandálias da humildade e da paz. A Palavra de Deus compromete-nos, com pequenos gestos pessoais ao compromisso cristão e político com a terra e superação da fome. Homens e mulheres do cuidado (do time dos cuidadores) do hoje e do amanhã da casa comum onde todos tenham terra, teto e trabalho, nas palavras de Francisco.
Amanhã começaremos a quaresma, cujo tema é Fraternidade e Fome. E o Lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A 45ª romaria é uma introdução para este tempo de reflexão, conversão, de aproximação dos irmãos/as e do Senhor Jesus, que se fez Pão vivo em nosso caminho.
Deus abençoe a todos os grupos e coordenação desta romaria. Que Maria, Tupãsy, a Mãe de Jesus, ampare nossos passos na fidelidade ao Senhor. Coração ardente e pés a caminho. Assim seja, amém!

Dom Adilson Pedro Busin, cs
Servo e peregrino no Amor
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre.

Por Amanda Almeida, da Equipe de Comunicação Virtual, com a colaboração da Irmã Claudete

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